segunda-feira, maio 09, 2011

A janela de João não dá pro horizonte

A janela de João não dá pro horizonte. Dá de cara todos os dias com o reboco do muro velho. João geralmente acorda desanimado; seu ímpeto de viver é da cor do muro velho: uma mistura de branco, cinza e preto, que prende a vista pela inconsistência de tal homogeneidade. João não tem amigos, sequer um cachorro. Além da moça do caixa da padaria, os únicos seres reais com quem João fala são as pessoas do outro lado da linha reclamando, questionando, exigindo. As pessoas do outro lado da linha são aquelas que João atende todos os dias direto da sua cabine estreita no prédio cinza onde trabalha. João não tem gosto por comida; ele as consome porque foi convencionado à isto. João não tem gosto por nada. Nem ao menos pelo marasmo que é a sua vida, quanto mais pela anulação dela. Não, João acha isso coisa de gente descompensada.