segunda-feira, dezembro 05, 2016

Quadro Novo






apanhei jasmins cansados, há muitos, mortos

pra perfumar nossa presença

pendurei umas luzes pra que se apagassem as incertezas

e somente o que nos impelisse ficasse à mostra

te entreguei uma parte de meu torto...

que é um todo,

de palavras mortas e esquecidas

espalhei nossas memórias pelas ruas inabitáveis dessa cidade

guardei teus murmúrios numa fresta eu nem sabia mais existir dentro do peito

agora, te retomo e te eternizo.

te escrevendo, com a dor indizível, insistente, no peito

te amargando com a junção dessas letras

perpetuadas por tantos devires

de esperas remotas, de entregas sem remetentes

de um outro que não se sabe ser e que se nega impetuosamente

que já não me ouve, não mais se vê

que se fez mudo. inerte

não te esqueço,

não (te) retorno.


(...)


me arrasto em direção a tua casa;

te devolvo

a parte do teu torto

que nunca me fui bem-vinda

que nunca me fui convidada a ser,

a não ser,

por protocolos que te impuseste...

tu e tua forçosa gentileza

tua cordialidade imprestável,

humilhante.




as coisas perderão o significado, como há de ser;

como um quadro que se olha há tanto tempo

que não se sabe mais o que olhar

e a vista desvia, torturada, pela ausência de sentidos.

tu te tornarás esse quadro.

por tua natureza imperturbável, por tua indiferença de tinta seca,

por tua frieza de lápis-lazúli,

emoldurado numa redoma inquebrável que tu mesmo pregaste por cima,

numa quina da tua discreta parede branca de apartamento vazio. como tu. 



percebo,

até hoje não lembro o número da tua casa.

casas nos externam, dizem.